“Não existe uma censura hoje a não ser judicial”. A
constatação foi feita pelo jornalista e repórter especial do O Estado de S.
Paulo, José Maria Mayrink durante o projeto Mimese – Cineclube da UMC realizado
pela Universidade de Mogi das Cruzes com o patrocínio da Gaia Brasil Gestão
Cultural e apoio do Plural. Com o tema "Jornalismo em Tempos Difíceis",
alunos do curso de Comunicação Social assistiram nesta sexta-feira (11), o
documentário "Estranhos na Noite: mordaça no Estadão em tempos de
censura", com roteiro e entrevistas de José Maria Mayrink e direção de
Camilo Tavares.
O filme conta como O Estado de S. Paulo resistiu à mordaça
imposta a imprensa, principalmente a partir de 13 de dezembro de 1968 quando
foi decretado o Ato Inconstitucional n° 5 (conhecido como AI-5) que marcou o
fim da liberdade de imprensa durante a ditadura militar. Após 1h15min de
entrevistas, lembranças e emoções, o encontro mediado pelo professor Guillermo
Gumucio e que contou com a presença de Mayrink e Edmundo Leite (jornalista do Estadão
Acervo), foi aberto ao debate no qual os alunos presentes tiveram a
oportunidade de fazer perguntas e ganhar brindes levados pelos convidados.
O repórter especial do Estadão falou brevemente com a Agenda
Cultural do Alto Tietê e contou um pouco de como tem sido a experiência com o
documentário.
Dhyne Paiva
Colaboração para Agenda Cultural
Agenda Cultural: Depois de mais de 50 anos de carreira e de
vivenciar e cobrir golpes militares, o senhor ainda vê aspectos de censura
dentro da mídia atual?
José Maria Mayrink: Legalmente não existe nenhum tipo de
censura. Eu acho que, às vezes, existe mais o risco de a gente mesmo por algum
motivo, posição pessoal, fazer uma autocensura, isso sim. Mas não existe uma
censura hoje a não ser judicial, que é pós-publicação. Citando o caso do O Estado
de S. Paulo com o Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney [Fernando
Sarney entrou com uma liminar pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal
(TJ-DF) impedindo O Estado de S. Paulo e o portal Estadão de publicar
reportagens que contenham informações da Operação Faktor da Polícia Federal,
mais conhecida como Boi Barrica e está há nove anos sem julgamento], mas
existem dezenas de casos no Brasil em cidades do interior em que juízes locais
censuram os jornais, rádios e eventualmente a televisão atendendo a queixas de
pessoas, geralmente políticos locais.
Agenda: Para o senhor, qual a importância de estudantes, em
especial de Comunicação Social, conhecerem este documentário e entenderem à
proporção que teve a censura para a imprensa?
Mayrink: Para não esquecer isso. Para saber que isso existiu
desse modo, foi consequência da ditadura e que pode voltar. Falando da censura
judicial, essa pode voltar até sem ditadura. Você não vai poder chamar de
censura, mas na verdade é o processo judicial que você não vai ter como
combater como censura. Mas isso pode voltar na medida que há um fechamento
porque nenhum governo seja que ideologia for, esquerda ou direita, gosta de ser
criticado, ser denunciado. Por eles fariam todas as suas falcatruas sem ser
incomodados pela imprensa.
Agenda: Em menos de um ano de lançamento, já houve algumas exibições
do documentário, principalmente em universidades. A repercussão está atendendo
a expectativa?
Mayrink: Está porque as principais universidades nos
convidaram para exibir. Só universidades do porte da Universidade Mogi das
Cruzes, onde outras particulares, assim como a Mackenzie em São Paulo, várias
PUCs como a de Belo Horizonte, Campinas, do Rio me convidaram; na Universidade
São Judas Tadeu também fizemos em dois campus. E fizemos outras exibições que
eu acho importante como no Memorial da Resistência que funciona no antigo DOPS
[Departamento de Ordem Política e Social] em SP onde aconteceram muitas
torturas, mortes, prisões e censura; e também no Sindicato dos Jornalistas de
São Paulo. Fiz uma exibição, por exemplo, para os bispos na Assembleia Geral da
CNBB no início de 2016 em Aparecida e em todo o lugar tem sido bem recebido.
Claro que pode ter exceções, porque é uma visão nossa, do Estado de S. Paulo,
então pode ter falhas, por exemplo, com os bispos houve a queixa e com razão,
de que não foram apenas O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e a Tribuna da
Imprensa, como está no filme, que sofreram a censura, jornais do interior e
outros ligados à Igreja também sofreram, só que nós falamos de jornais diários
e o foco era O Estado de S. Paulo.
"Falando da censura judicial, essa pode voltar até sem ditadura. Você não vai poder chamar de censura, mas na verdade é o processo judicial que você não vai ter como combater como censura. Mas isso pode voltar na medida que há um fechamento porque nenhum governo seja que ideologia for, esquerda ou direita, gosta de ser criticado, ser denunciado. (José Maria Mayrink, repórter do Estadão)"
Agenda: Dentre todos os depoimentos e reencontros, qual foi
o momento mais marcante durante a gravação do filme?
Mayrink: Sem dúvida o depoimento do Carlos Garcia que foi
diretor da sucursal do Estadão em Recife e que conta em pormenores e
detalhadamente a censura que sofreu, coisa que a gente vê falar, mas a pessoa
falar aqui é muito marcante. Ele viu o filme ao lado do filho dele, que hoje
tem mais de 40 anos e tinha 6 anos na época.
Quando ele foi preso, levaram os filhos dele para casa da avó e esse
filho não sabia disso. Ele ficou muito
emocionado de ver o pai contando isso. No final [do filme] ele disse: "muita gente acha que foi besteira
resistir, mas eu acho que era uma missão que eu tinha a cumprir e pra mim foi
importante pra burro".
No próximo dia 24, o documentário será exibido na 18ª Festival
Kinoarte de Cinema, em Londrina (PR). A sessão que será gratuita começará às
21h, no Aurora Shopping Cine - Tour UEL.
E o projeto Mimese – Cineclube da UMC continua na próxima sexta-feira
(18), às 14h. O filme que será exibido é o “Boa Noite e Boa Sorte”, de George
Clooney e contará com a presença do jornalista e diretor do Jornal Plural,
Delcimar Ferreira.
Nenhum comentário :
Write comentários